Mês: fevereiro 2015

Plano de Mobilidade: um caminho para São Paulo

Na semana que se passou, a Prefeitura fez reuniões regionais para apresentação do Plano de Mobilidade, com foco na proposta de reformulação do sistema de ônibus. As reuniões tiveram apresentações de funcionários da CET e da SPTrans e presença dos conselheiros participativos e de Transporte. Abaixo nosso entendimento e posicionamento acerca das explicações dos técnicos da prefeitura.

 

O plano busca combinar uma visão estratégica sobre como a cidade deveria se organizar e as limitações da capacidade de atuação da Prefeitura. Estamos falando principalmente do fato de São Paulo não dispor de uma rede de metrô – com poucas linhas, o transporte sobre trilhos não tem a abrangência territorial necessária e fica superlotado nos horários de pico. Isso é muito definidor da nossa situação. Nos debates sobre os protestos do MPL há quem diga que o foco é nos ônibus porque eles são mais importantes – mas não deveria ser assim. Na maioria das metrópoles, a espinha dorsal do transporte coletivo é o metrô e o os ônibus são complementares. Aqui, a lentidão com que o governo do Estado implementa as linhas e estações deixa os ônibus – e, consequentemente, a Prefeitura – no centro da conversa.

 

A proposta da Prefeitura é que o sistema de ônibus funcione como a ausente rede de metrô, principalmente nas chamadas linhas estruturais. Além dessas, haverá linhas coletoras (dos bairros aos terminais) e perimetrais. As linhas estruturais serão as linhas de percurso mais longo, em corredores ou faixas exclusivas, com veículos grandes e intervalos curtos e regulares. Essas linhas funcionarão, em geral, entre terminais. Isso deve diminuir a diversidade de linhas nos corredores, da mesma forma que na plataforma do metrô só passam trens com um destino. Isso é bom ou ruim? Depende da sua prioridade. Se for rapidez e regularidade, é bom. Mas em relação ao conforto, nem tanto, já que implica fazer baldeações: andar até outro ponto (que nos cruzamentos mais importantes serão aproximados da esquina) e pegar outro ônibus. Entrar num ônibus, sentar e ir direto até o destino final ficará mais raro. Cabe aqui a ressalva que, nos horários de pico, serão mantidas (ou criadas) as linhas mais diretas e não será necessário descer no terminal para pegar outro ônibus.

 

A ideia de rede tem ainda um ponto muito importante e positivo, que é a descentralização, ainda que incipiente. Atualmente, o sistema de ônibus se divide em linhas locais (operadas por cooperativas permissionárias) e as estruturais, que são centro-bairro. A proposta é criar ou fortalecer corredores perimetrais, conectando diferentes corredores estruturais (mais ou menos como faz a linha amarela do Metrô). Assim, quem precisa ir de um bairro a outro da cidade vai ter opções além de ir até o centro para trocar de ônibus. O sistema de transporte tem que refletir, é claro, as necessidades de deslocamento da população. A principal necessidade é o trajeto casa-trabalho-casa e a organização histórica da cidade empurrou as pessoas para morarem cada vez mais longe, enquanto os empregos continuam concentrados em poucas regiões. Mas, ao mesmo tempo que reflete, o transporte também cria dinâmicas na cidade, além de estar alinhado com uma visão geral de planejamento urbano. No caso, isso mostra um alinhamento com o Plano Diretor Estratégico, que também busca fortalecer outras centralidades.

 

Da mesma forma, a criação de redes para a madrugada e para os domingos reflete uma concepção, inédita na história de São Paulo, de transporte não só para o trabalho, mas também para o acesso ao lazer, à cultura, à convivência, etc. O transporte na madrugada – que para nós do Arrua sempre foi uma bandeira – está se tornando realidade. Além de atender aos notívagos, frequentadores de casas noturnas, trabalhadores da noite, plantonistas, etc., essa rede é o laboratório da SPTrans. Está em testes com a chamada operação controlada, que garante a regularidade nos horários, com sistema informatizado de fiscalização e veículos de prontidão para substituir ônibus quebrados. O intervalo na madrugada será de até 15 minutos nas linhas estruturais e até 30 nas linhas locais. A rede começa a operar em 28 de fevereiro, com 151 linhas ao todo.

 

O plano apresentado tem uma grande preocupação com a qualidade do serviço prestado e isso, claro, é essencial. Mas a Prefeitura opõe essa qualidade ao barateamento do serviço – no sentido de que não adiantaria nada ser de graça se não funcionasse bem. Sim, é possível que um transporte gratuito ou mais barato tenha problemas. Porém, o custo do ônibus para a população tem que ser entendido, ele mesmo, como um componente dessa qualidade. Da mesma forma que é fundamental que os veículos tenham acessibilidade para pessoas com deficiência, pois do contrário excluiriam uma camada da população, o serviço também precisa ser acessível economicamente para as pessoas.

 

E aí entra uma questão que não estava no escopo de apresentação. A proposta se refere ao modelo de funcionamento do sistema de ônibus, a ser implementado com a licitação para os operadores, que deve acontecer ainda no primeiro semestre de 2015. Porém, a Prefeitura precisa debater com a sociedade não apenas as regras operacionais da nova licitação, mas também as regras de negócio. Como romper com a cartelização desse setor? Vai continuar sendo possível que um empresário tenha mais da metade da frota, receba mais da metade dos repasses? (Aliás, existe uma crítica injusta sendo feita à Prefeitura: a redução da frota não é, necessariamente, uma vantagem para os empresários. Se levarmos em conta que o dono da viação é dono da empresa que vende carrocerias, que vários são donos de concessionárias, a gente pode imaginar que o aumento da frota também seria lucrativo para eles). Precisamos de transparência e participação. O Plano de Mobilidade agora será apresentado em cada subprefeitura. É direito de todos (não apenas de conselheiros) participar e cobrar. Vamos?

 

Cidade para as mulheres: a mulher negra no espaço público

Na última quinta-feira, 28/1, realizamos uma roda de conversa sobre mulheres no espaço público: quais as diferenças nas formas de circular, as barreiras para essa circulação e como podemos tornar nossas cidades mais inclusivas. O debate teve a presença de Bárbara Lopes, do Coletivo Arrua; Carla Vitória, da Marcha Mundial das Mulheres; Gabriela Kato, do coletivo Pedalinas; e Jeanne Callegari, do Festival Desamélia – além das pessoas presentes na praça. Veja abaixo o vídeo com o debate.

A blogueira Stephanie Ribeiro, que milita no feminismo negro e é estudante de arquitetura e urbanismo, não pôde comparecer, mas enviou uma contribuição. O texto foi lido na atividade e também o publicamos a seguir:

A mulher negra no espaço público

Por Stephanie Ribeiro

Peço desculpas por não poder comparecer.

Primeiro é extremamente necessário fazer o recorte racial, nós negras ainda somos maioria entre as mulheres mais pobres do país, as com menos estudos e a com pouca representatividade em várias esferas desde a midiática até a política.

Isso causa consequências sobre todas nós!

O que temos são estudos americanos que dizem que os assédios direcionados a negras tendem ser mais agressivos, como não havia dados nacionais, perguntei em grupos de feminismo negro. Gostosa, é pouco perto do que falam sobre nós. Alguns homens chegam a abrir as portas dos seus carros e me convidar para entrar. Isso já aconteceu mais de uma vez, a situação era recorrente, desde falarem coisas super hiperssexualizantes como se referindo a nossos órgãos sexuais aos gritos na rua, como essas situações onde se força algo.

Além disso, nos meus estudos dentro do urbanismo, li numa determinada tese de uma professora da Mackenzie que posso disponibilizar, que mulheres negras em áreas como favelas ocupam as piores áreas, ou seja, no espaço já marginalizado a mulher negra está na pior da pior ficando perto das áreas de deslizamento, por exemplo, já que ela recebe os piores salários, dentro da pirâmide econômica, mesmo as que ascendem socialmente têm salários menores do que homens brancos, mulheres brancas e homens negros, ocupando o mesmo cargo.

A negra é a mais pobre, é a maioria do país (somos 26% da população brasileira) que tem grandes áreas marginalizadas, é a que tem menores salários, e dentro disso tudo é a que mais sofre com o péssimo urbanismo das nossas cidades, o que justifica o que afirmei acima.

Falta-se moradia, nós acabamos ocupando as piores áreas. Se em épocas de chuvas as cidades inundam, se ocorre deslizamento, se falta creches para crianças, se a tarifa aumenta, todos esses e mais inúmeros problemas acabam caindo sobre os ombros das mulheres negras, devido nossa situação socioeconômica. O problema é que muitos esquecem disso e acabamos até dentro dos movimentos de esquerda não tem representatividade.

Recortando o caso do transporte público somos as maiores usuárias e não preciso lembrar que além das péssimas condições e valores altos, ainda estamos expostas as situações de assédio. E não um vagão rosa e um ônibus rosa, que isso vai mudar.

O nosso corpo negro carrega cicatrizes do racismo a anos, e nós devido a isso sofremos a intersecção da opressão machista e racista. O corpo da mulher é visto como público, o da negra além disso é visto como o corpo da “mulata exportação”, o que acontece com nós não causa comoção, o fato das cidades estarem cada vez se tornando espaços individualistas e opressores nos têm como grandes vítimas.

Afinal até mesmo para discutir as cidades, nós nem somos protagonistas. Dentro do meu curso vejo o interesse social, mas não vejo a voz do meu povo e das minhas iguais sendo realmente ouvidas.

Queria terminar esse texto com uma frase que eu gosto muito:

“A capacidade de usar o território não apenas divide como separa os homens, ainda que eles apareçam como se estivessem juntos”. Milton Santos.